light gazing, ışığa bakmak

Friday, March 20, 2009

manuscrito ou sobre dar razão ou porque se fosse hoje esta janela nunca se poderia abrir

texto que veio da Biblioteca Nacional:

"Um dos documentos mais interessantes do espólio de Fernando Pessoa (1888-1935) é sem dúvida o manuscrito de O Guardador de Rebanhos, autógrafo assinado por Fernando Pessoa e Alberto Caeiro, um dos heterónimos do poeta. Talvez não seja a mais importante peça do espólio, mas, como diz Ivo Castro no prefácio à edição deste texto, "por servir de sede completa a um dos seus grandes ciclos de poemas, por pôr em causa a versão do próprio Pessoa sobre a génese dos heterónimos, por fornecer amplos meios de corrigir o texto-vulgata do Guardador de Rebanhos, por documentar reveladoramente os métodos de trabalho e de criação textual do poeta e, finalmente, por se ter conservado na obscuridade nos últimos quarenta anos, desconhecido do público e da maioria dos pessoanos, - por esses motivos todos o presente manuscrito [...] merecerá sem dificuldade ser considerado uma das jóias da coroa".

Na verdade, este manuscrito parece à primeira vista confirmar esse "dia triunfal" a que se refere Pessoa na famosa carta a Casais Monteiro (13 de Janeiro de 1935) sobre a génese de O Guardador de Rebanhos e do seu heterónimo Alberto Caeiro:

"Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título - 'O Guardador de Rebanhos'. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive."

e o incrível espólio, aqui. o Guardador de Rebanhos, aqui.


e agora a parte verdadeiramente interessante, a do fingimento:

Esta "unidade de escrita, de local e de tempo de concepção" parecem sugerir que este ciclo de poemas foi escrito de um jacto e "em êxtase". Mas uma leitura atenta do manuscrito permite mostrar que assim não é.

Em primeiro lugar, a letra caligráfica, muito igual e desenhada, não parece ser compatível com uma escrita inspirada e veloz. Em segundo lugar, em vez de um, temos vários instrumentos de escrita: foram utilizadas quatro canetas diferentes no corpo do próprio texto. E, por último, o grande número de emendas, feitas em diversos momentos, e utilizando sete materiais diferentes, desmentem "a suposição de ter o Guardador nascido com o texto em estado definitivo".

A encenação desse "dia triunfal" é ainda desmentida pelas várias dezenas de rascunhos e cópias intermédias conservadas no Espólio da BN. Estes documentos mostram que no processo de escrita do Guardador houve pelo menos três fases distintas: uma fase de rascunhos (versões existentes no espólio), uma fase de passagem a limpo (o presente manuscrito) e uma fase posterior de emendas (presentes neste manuscrito)."

2 comments:

Anonymous said...

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . .

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena ...

______
Beijo e bom fim semana

Ana V. said...

Obrigada :)
para ti também

 
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